sexta-feira, 14 de março de 2003

Atrás do escudo

Do ponto de vista psicológico, não sei se existe muita diferença entre os "homens-bomba" e este pessoal que está indo ao Iraque servir de "escudo humano". Para falar a verdade, acho que os últimos são mais sadomasoquistas que os primeiros. O "homem-bomba" decide "quando" e "onde". Já o "escudo humano" se dispõe à ficar em suspenso, aguardando uma bomba que ele não sabe se cai - ou quando cai.

É claro que os "escudos" estão lá para defender vidas - e não tirá-las. De fato, daria até para desenvolver uma teoria metafísica, a partir da qual defenderíamos a geração espontânea dos "escudos" com base na lei da polaridade: a existência de suicidas no "lado escuro da força" acabou impulsionando o surgimento de sua contraparte pacífica.

E não há dúvidas de que o princípio que move estas duas polaridades é o mesmo: a crença de que vale à pena morrer por uma boa causa. Não morrer anonimamente, como parte de um numeroso exército mas - repare, leitor - morrer com direito à glórias e recompensas.

É de conhecimento público que as famílias dos "homens-bomba" são generosamente recompensadas. Já ninguém parece estar prestando muita atenção na quantidade de políticos, assessores de políticos e jornalistas no contingente de "escudos". Ninguém parece ter reparado que este pessoal sempre dá um jeitinho de avisar a imprensa de sua partida ao Iraque. Isto tem garantido alguns louros antecipados, que incluem tanto as entrevistas às vésperas da viagem como a certeza de que no mínimo a mídia paroquial vai acompanhar a saga do sujeito em terras de "Tio Saddam".

Obviamente - e ao contrário do que ocorre com o terrorista - o "escudo" só receberá sua recompensa se sobreviver: jornalistas anônimos serão transformados, do dia para a noite, em "correspondentes de guerra"; políticos receberão votos; assessores de políticos poderão almejar uma candidatura baseada na fama súbita. Se a recompensa ao terrorista está diretamente ligada ao êxito operação, aos "escudos" não importa muito o resultado da coisa: rolando ou não a guerra, eles só precisam sobreviver para desfrutar do prêmio.

Em ambos os casos, a conclusão é que não se trata uma atitude altruísta, impulsionada por amor a uma causa. A suposta causa é apenas o meio pelo qual se atinge alguns fins de ordem bem pessoal. E é fato que a História deu um nome para homens que, diante de uma situação bélica, arriscavam a vida em prol de garantir benefícios pessoais. Chamava-os mercenários.

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