terça-feira, 27 de abril de 2004

Por trás do escudo

Como voltam a surgir americanos dispostos a servir de escudos contra os alvos da coalisão no Iraque, republico este post, redigido em março de 2003, às vésperas do início da guerra.

Do ponto de vista psicológico, não sei se existe muita diferença entre os "homens-bomba" e este pessoal que está indo ao Iraque servir de "escudo humano". Para falar a verdade, acho que os últimos são mais sadomasoquistas que os primeiros. O "homem-bomba" decide "quando" e "onde". Já o "escudo humano" se dispõe a ficar em suspenso, aguardando uma bomba que ele não sabe se cai - ou quando cai. É claro que os "escudos" estão lá para defender vidas - e não tirá-las.

De fato, daria até para desenvolver uma teoria metafísica, a partir da qual defenderíamos a geração espontânea dos "escudos" com base na lei da polaridade: a existência de suicidas no "lado escuro da força" acabou impulsionando o surgimento de sua contraparte pacífica.

E não há dúvidas de que o princípio que move estas duas polaridades é o mesmo: a crença de que vale à pena morrer por uma boa causa. Não morrer anonimamente, como parte de um numeroso exército mas - repare, leitor - morrer com direito à glórias e recompensas.

É de conhecimento público que as famílias dos "homens-bomba" são generosamente recompensadas. Já ninguém parece estar prestando muita atenção na quantidade de políticos, assessores de políticos e jornalistas no contingente de "escudos". Ninguém parece ter reparado que este pessoal sempre dá um jeitinho de avisar a imprensa de sua partida ao Iraque. Isto tem garantido alguns louros antecipados, que incluem tanto as entrevistas às vésperas da viagem como a certeza de que no mínimo a mídia paroquial vai acompanhar a saga do sujeito em terras de "Tio Saddam".

Obviamente - e ao contrário do que ocorre com o terrorista - o "escudo" só receberá sua recompensa se sobreviver: jornalistas anônimos serão transformados, do dia para a noite, em "correspondentes de guerra"; políticos receberão votos; assessores de políticos poderão almejar uma candidatura baseada na fama súbita. E - outro interessante paradoxo - se a recompensa ao terrorista está diretamente ligada ao êxito operação, aos "escudos" não importa muito o resultado da coisa: rolando ou não a guerra, eles só precisam sobreviver para desfrutar do prêmio.

Em ambos os casos, a conclusão é de que não se trata uma atitude altruísta, impulsionada por amor a uma causa. A suposta causa é apenas o meio pelo qual se atinge alguns fins de ordem bem pessoal.

A História deu um nome para homens que, diante de uma situação bélica, arriscavam a vida em prol de garantir benefícios pessoais. Chamava-os mercenários.

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