Fico impressionada como, diante da guerra civil que assola as favelas cariocas, ainda surgem pessoas para sugerir, em rede nacional de televisão, "um maior diálogo com a comunidade", " a realização de debates " ou coisa que o valha. Me impressiono porque, em primeiro lugar, agora não é hora para isso. Em segundo, porque ninguém parece se dar conta de que esta tem sido a estratégia utilizada nos últimos vinte anos. E ela é furada, meus amigos.
O problema da criminalidade neste país atende por dois nomes: impunidade e drogas. A questão do crime organizado no Rio não foge a esta lógica. Nas duas últimas décadas, assistimos a um movimento de afrouxamento moral em relação ao crime. Tal afrouxamento, principalmente no que se refere ao tráfico, teve como a base justificativas de cunho social, político e ideológico.
Diante da injusta distribuição de renda do país, o tráfico de drogas passou a ser encarado mais como questão social - e menos como crime. Pelo fato de habitar a favela - local de pobreza exponencial - o traficante é, hoje, encarado mais como excluído social do que como criminoso. Através desta inversão de estereótipos os incluídos da sociedade podem expurgar sua culpa em relação aos menos favorecidos - livrando-se, talvez, de tomar uma atitude mais concreta para resolver o problema sob o ponto de vista político.
Por outro lado, também o usuário de drogas tornou-se beneficiário de maior condescendência. De infração, o uso de drogas foi se transformando, pouco a pouco, em doença - psicológica ou emocional, se o usuário é oriundo de camadas abastadas; doença social, se ele pertence à massa dos chamados excluídos. Este processo culminou em fevereiro último, quando a Câmara dos Deputados aprovou o fim da prisão para dependentes de drogas.
Os que me acompanharam até aqui logo entenderão porque seria infrutífero, neste momento, ouvir a sociedade. No que diz respeito à criminalidade, a sociedade tornou-se refém de uma ideologia permeada de culpa - bem ao gosto da nossa herança judaico-cristã. Nossa incapacidade política de resolver questões sociais nos impede de ver o tráfico na simplicidade do que ele realmente é: um crime.
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