"Eu trabalho com o imaginário da população. Em uma campanha nós trabalhamos com produções simbólicas. Não considero que exista aí desonestidade, pois o tema foi, pelo menos, discutido. É bom que a população fale e reflita sobre esses temas. No primeiro turno, analisando as pesquisas, eu vi que essa discussão poderia ser retomada. Enxerguei ali um "monstro vivo" que poderia ser jogado."
O trecho acima é da entrevista do marqueteiro de Lula, João Santana, para a Folha de S.Paulo de hoje.
Ele foi escolhido para abrir este segundo "Direto do tanque" - que é, lembrem-se, meu jeitinho para lavar a roupa suja da campanha presidencial - porque resume e ilustra, na minha opinião, uma das maiores falhas de marketing da campanha de Geraldo Alckmin.
No trecho em questão, Santana e Fernando Rodrigues estão falando sobre a forma como as privatizações foram utilizadas contra o candidato tucano. Mas a verdade é que a explicação de Santana poderia ser aplicada a qualquer tema de sua vitoriosa campanha.
"Produções simbólicas" é a senha para entender toda a campanha governista. Foi ela que permitiu a Lula apresentar um país perfeito, quando isto está muito longe da verdade. Foi ela que permitiu, no início do segundo turno, que a campanha de Lula afirmasse, como já comentamos antes: " o Rio Grande do Sul disse sim a Lula; Santa Catarina disse sim a Lula, etc" quando, na verdade, o presidente havia tomado uma surra eleitoral nestes estados. Foi, também, a idéia de "produção simbólica" que dominou a direção de arte dos programas de televisão. Para os menos ligados neste tipo de detalhe: as cores e ambientes da campanha de Lula eram absolutamente falsas. Iluminação e filtros garantiam que campos de um verde artificial e maçãs cinematográficas saltasse da tela , enquanto a produção de arte transformava qualquer fabriqueta de artesanato numa linha de montagem capaz de causar inveja às grandes indústrias.
E do outro lado, o que tínhamos? Do jurídico à direção de arte, tínhamos o senso jornalístico, a realidade nua e crua, sempre perseguida por Luiz Gonzáles e sua equipe.
Na campanha tucana, nenhuma acusação poderia ser feita sem que houvesse uma manchete de jornal a lhe dar sustentação - tente lembrar das muitas vezes em que a telinha da sua TV foi invadida por um recorte de jornal e entenderá a coisa. Esta orientação, que visava evitar direitos de resposta, ao mesmo tempo em que não ofendia às origens dos principais responsáveis pela campanha - todos jornalistas, tal qual o próprio Santana - , foi o nó que amarrou aquela diretriz maior: "candidato que bate não ganha." E, de fato, a exemplo do que acontece no futebol, o jurídico da campanha alckmista pode vangloriar-se de ter perdido o campeonato praticamente invicto. Infelizmente, "quem não faz leva", é a lição dos gramados a ser aplicada também aqui.
Do ponto de vista de direção de arte, os programas de Geraldo Alckmin, quando comparados com os de Lula, pareciam matérias de afiliada pobre da Rede Globo: cor lavada, nenhum tratamento cenográfico... Verdade, nua e crua, jogada na cara do eleitor. Já no primeiro turno indaguei meu tucaninho sobre esta questão - que me parecia ser um problema técnico. Recebi como resposta que era uma diretriz, um estilo proposital. Queriam um clima real, jornalístico. Durante o segundo turno, porém, fiquei sabendo que até eles começaram a achar que a coisa estava demais. Produzidos em São Paulo, os programas de Alckmin eram gerados, via Embratel, para Brasília - enquanto os de Lula, produzidos lá mesmo, eram encaminhados mediante a entrega de uma fita. Suspeitou-se, então, que o programa perdia qualidade ao ser gerado. Não sei se tal coisa foi comprovada. Mas, de qualquer maneira, a correção da falha técnica não resolveria um problema de natureza estratégica, que permeou a campanha desde o início: a opção pela verdade.
Reinaldo Azevedo, várias vezes, chamou atenção para o fato de que os pobres do programa de Lula eram mais bem vestidos, mais "ajeitadinhos" do que os de Alckmin. Ele estava certo: González mostrava o pobre brasileiro como ele é. Santana usava do expediente da produção simbólica para mostrar os pobres como eles mesmos imaginam ser. É a velha tática da butique que coloca no provador um espelho que emagrece: a cliente gosta do que vê porque há verossimilhança - é ela no reflexo - mas a verdade foi burlada para mostrar-lhe uma auto-imagem positiva.
Produção simbólica, produção simbólica, produção simbólica. É através dela que se sustenta o mito de um presidente-operário que há mais de vinte anos não sabe o que é trabalhar num chão de fábrica. É através dela que - leiam a entrevista - este mito pode oscilar livremente entre poderoso e coitadinho, sempre de acordo com a conjuntura.
Sabendo que "produção simbólica" é um termo acadêmico - talvez nada apropriado ao ambiente objetivo de uma campanha eleitoral - tentei encurtar caminho. Nas duas ou três vezes em que fui ouvida por quem poderia influenciar na campanha, tentei explicar de forma mais direta: " Fecho os olhos e vejo Serra, no debate da Globo de 2002, bancando o bom moço e dizendo a Lula que ele mentia, que jamais teria como criar 10 mihões de empregos. Vamos parar com estes pudores. No Brasil, ganha campanha presidencial quem mente melhor. Foi assim em 2002 e será assim agora."
Seria exagero dizer que me olharam com nojo. Mas é certo que não me deram ouvidos. O resto vocês sabem. Lula mentiu melhor. Lula é presidente outra vez.