quinta-feira, 26 de julho de 2007

Mentiras sinceras

Uma das razões para que Lula tenha se tornado praticamente imbatível nas urnas é o seu pleno domínio de um discurso que agrada à grande maioria dos eleitores. Pouco importa se o presidente emite discursos cuidadosamente redigidos ou se fala de improviso. Qualquer que seja o caso, ele está sempre em vantagem numérica: fala à maioria. E, obviedade máxima que vale a pena repetir aqui, para se eleger, um político só precisa falar à maioria.

O Lula que pinga colírio no nariz, que usa de metáforas rasteiras - futebolísticas, familiares, sexuais - à exaustão, não se preocupa com a sensação de vexame que tais declarações provocam nos letrados e esclarecidos em geral. Eles - os que dominam os rudimentos da política - não lhe interessam. Deles e de suas reclamações se ocupam companheiros como Ricardo Berzoini ou Marco Aurélio Garcia, mediante táticas igualmente simplórias, que podem ser resumidas naquela persistente acusação de "golpismo".

É justamente este duplo movimento que se verifica nos discursos emitidos ontem, por ocasião da posse de Nelson Jobim.

O medo de avião é um sentimento comum, passível de ser encontrado em todas as camadas sociais. Mas é inegável que seja mais corriqueiro entre pessoas humildes, que jamais voaram para poder enfrentá-lo. Basta conversar com elas para saber que raramente a possibilidade de embarcar em um avião as encanta. No geral, tal possibilidade é vista com absoluto pavor. Logo, quando declara "Sou um medroso de andar de avião", o presidente está, mais uma vez, falando com quem de fato lhe interessa - e não com os familiares das vítimas ou com os usuários da aviação.

Se para nós tal declaração é motivo de escárnio, para Lula ela cumpre uma função muito específica: neutralizar as acusações de incompetência com uma declaração de humanidade que não só o identifica, mais uma vez, com o sentimento das massas, mas que também carrega, subliminarmente, a idéia de uma falibilidade que deve ser perdoada. É quase como se Lula dissesse: "não consigo resolver a crise aérea porque tenho medo de avião". Não cola. Para nós. Para quem garante os seus votos, porém, este tipo de argumentação tem se mostrado um sucesso.

Em coerência com o que vai no segundo parágrafo, temos a entrevista concedida por Valdir Pires, ontem, para o Terra Magazine: "Presidente, há uma sanha para atingi-lo. Novamente se movem para atingir o senhor e seu governo, é a mesma sanha de sempre, e desta vez me usam para este fim", teria dito o demissionário ministro a Lula. Perguntado sobre o que lhe preocupa, foi enfático: "Com essa eleição que não querem terminar nunca, com essa sanha que retorna a cada episódio, ainda que sob o disfarce de crítica a isso ou àquilo, ainda que sob o disfarce das boas intenções. Deixo o ministério honrado, mas me preocupa essa insânia que não aceita a decisão do povo, que não respeita de verdade as instituições democráticas."

É um ato falho, bem o sabemos. Qualificar como "golpismo" as críticas recebidas denuncia o quanto os petistas não estão familiarizados com os rudimentos da democracia. Ainda assim, é a única resposta, o único discurso que eles conseguem dirigir aos que são o suficientemente esclarecidos para lhes cobrar tanta incompetência, desmando e corrupção.

No frigir dos ovos, nada se explica e tudo de justifica. Ao longo de quatro anos e meio de mandato, Lula e seu PT jamais deram qualquer resposta satisfatória para os inúmeros escândalos em que se envolveram. Ainda assim, seguem intocados porque conseguem construir "mentiras sinceras". Aos que interessam, eles respondem com uma identificação mentirosa, já que há muito Lula deixou de ser um homem do povo - mas extremamente sincera porque expõe a preocupação exclusiva com a camada social que lhes garante votos. Aos que não interessam, respondem com uma acusação mentirosa - absolutamente sincera, porém, na medida em que expõe a incapacidade deste governo para lidar com a demoracia.

3 comentários:

Lefebvre disse...

Mais ou menos, Nariz. Lula não é assim tão intocável. O que pessoa de baixa renda mais odeia é ladrão. Eles se matam para pagar suas contas em dia. Pode escrever. O problema não é o discurso do Lula, mas essa oposição. É bater em prego sem cabeça, mas esse é o problema. A oposição brasileira é uma piada. Na verdade, oposição nesse país é eu, você, gente que fica na internet escrevendo e escrevendo, mas sem acesso a nada. Com medo, atrás de pseudônimos para não piorar a nossa vida. É duro. A vida da oposição no Brasil é clandestina.

marcos ramos disse...

NG

já viu o último post do noblat?!?!?

o maior estadista das américas, o grande guia dos frascos e comprimidos foi vaiado no nordeste...

a batata tá assando!!!

sergio disse...

Sua análise e diagnóstico é lúcida e bem feita. Tudo indica que é assim que funciona e funciona bem, para ele Lula. Realmente, ele só fala para a maioria, e pouco importa os demais. Impressionante é que uma parcela dos formadores de opinião está inerte ou anestesiada. Só esqueceu de lembrar, também, que praticamente não temos oposição. A imprensa é que tenta timidamente estabelecer um contraditório. Assim, na verdade, para a maioria ele fala sózinho, ou seja, só quem fala é ele. Ou se organiza uma oposição séria e efetiva (mesmo que seja da sociedade) ou não vamos a lugar nenhum... E não se pode duvidar da possibilidade de ele fazer seu sucessor ou, quem sabe, ele próprio se suceder. Enfim, o país se encontra em uma grande enrascada. Vai ser difícil se sair dessa. Só nos resta manter a resistência. Nariz faz parte dela.