terça-feira, 9 de outubro de 2007

Não vi e já gostei

Tropa de Elite só chega ao cinema mais próximo na sexta-feira.

Vou arriscar, porém, a fazer uma crítica antes mesmo de assistí-lo. Não propriamente uma crítica ao filme, mas ao tanto de baboseira que se está escrevendo sobre ele - e, em especial, sobre os cariocas que ousaram aplaudir as cenas em que policiais do Bope agem violentamente contra bandidos, suspeitos ou qualquer coisa assim.

Vocês já leram por aí: depois que parte da platéia do Festival Internacional de Cinema do Rio gritou, animadamente, "caveira!, caveira!" - uma alusao ao logotipo do BOPE -, durante a projeção do Tropa, teve jornalista acusando o filme de fascista e reacionário.

Na última edição da Veja, Jerônimo Teixeira classifica tal crítica como patrulha, mas acaba, também ele, exercendo a sua: "Há algo de profundamente errado em uma sociedade que só aplaude sua polícia quando ela se comporta como o bandido."

Típica situação em que minha avó diria "mas vão lavar um balaio de roupas e não me encham a paciência!"

Desde que existe, cinema é arte mimética e catártica: permite que você experimente sensações que, na maior parte das vezes, pelos riscos implicados, você não está disposto a viver concretamente - e nem mesmo a referendar. É entretenimento: diversão pura, tremendamente afeita a um delicioso e cômodo maniqueísmo, que nos permite ter absoluta certeza, por curtas duas horas, do que é certo ou errado. Saiu disso é documentário. Ou cinema complexo, engajado e chato - leia-se, fracasso de bilheteria bancado, no caso do Brasil, pelo contribuinte.

Nos antigos westerns, quando a cavalaria chegava abatendo miríades de apaches e navajos, a platéia não se limitava a aplaudir: assobiava. Décadas mais tarde, quando Idiana Jones chicoteava seus adversários e Rambo metralhava outros tantos, a platéa da matinê ía ao delírio: batia os pés, ruidosamente, no chão. Platéia americana, "profundamente marcada pela violência da conquista do oeste e pelo fracasso no Vietnam"? Qual nada! Platéia brasileira mesmo, simplesmente embalada pelo delicioso, mimético e descompromissado maniqueísmo que só o cinema pode oferecer.

Não vou afirmar, categoricamente, que esta seja a motivação da totalidade dos que se emocionam com as cenas de violência apresentadas em Tropa de Elite. Até porque, segundo li, o filme de Padilha se pretende muito mais sério do que um Rambo da vida - e é, pelo próprio conflito interno vivido por seu personagem principal, bem menos ventilado por aquele maniqueísmo fácil que, já o dissemos, rende diversão e boa bilheteria.

Mas algumas coisas eu arrisco a afirmar desde já. E arrisco afirmá-las categoricamente: Tropa de Elite está incomodando porque é a primeira vez que o novo cinema brasileiro não se presta a fazer apologia da bandidagem - nem para mostrá-la como vítima da sociedade, nem para vender o seu modo de vida como uma "proposta estética" ou algo que o valha. Está incomodando porque ridiculariza aqueles integrantes de ONGs que vivem fazendo "passeatas pela paz", mas que são usuários eventuais da droga que sustenta a criminalidade. Finalmente, Tropa está incomodando porque se arriscou a colocar em primeiro plano a polícia - e porque mostra as ações táticas do BOPE em seqüências espetaculares, como se faz no bom cinema americano.

E é justamente este último detalhe que explica a reação da platéia. Aqui, como em qualquer sala de cinema do mundo, nenhuma platéia aplaude policiais corruptos e torturadores. Aplaude, isto sim, a cavalaria que chega a tempo, a presteza de Indiana Jones e a boa mira de Rambo. Aplaude o fato de que, pelo menos neste mundo descomplicado do faz-de-conta, a maldade pode encontrar uma força, um poder combativo que se equipare ao seu. A audiência aplaude, meus caros, é a boa e velha catarse aristotélica proporcionada por esta mágica chamada cinema. Que sairá dali disposta a referendar, conscientemente, a tortura é tão descabido quanto imaginar um grego antigo arrancando os próprios olhos após assistir Édipo Rei.

Ps.: seria prudente considerar que este artigo passará por uma revisão no feriado, quando eu finalmente puder assistir ao filme. Mas eu quase posso apostar que não .

9 comentários:

j disse...

Eu ainda não assisti ao filme, pois não vejo nada pirata. Claro que estou curiosa, até quero assistir. Mas sempre que tem cinema nacional com financiamento da Petrobras, do BNDES, enfim, do Governo Federal, desconfio. Não assisti e nem tive a menor curiosidade em assistir Cidade de Deus. Mas a esse Tropa de Elite acho que vou sim. Afinal, devo assistir ao que meu suado dinheirinho de impostos bancou e fez com que os esquerdizóides ficassem raivosos.

Carlos Pepezlegal disse...

Nariz .. amiga .. recomendo antes o La Môme, a história da Edith Piaf. É lindo.

É daqueles pra menina chorar .. qui nem no Cinema Paradiso .. rsrsrsrs

Um Beijo . Pepe ( juro que não chorei ! )

Alexandre, The Great disse...

NG. Conheço as pessoas que co-produziram o enredo; posso assegurar que não são isentas. Não assisti, e nem pretendo. Ouvindo falar de algumas cenas já percebi que existe, como em toda obra "baseada em fatos reais" uma polarização tendenciosa. Enfim, como vc mesma diz, trata-se de um "entretenimento". Divirta-se (se puder)!

Joao Paulo disse...

Também não li, mas ja tô gostando!
Agora, também quero ver o novo do Lynch!

Bira disse...

Acredito que muitos cansaram de ver apenas o lado do bandido, vitima da sociedade neoliberal de consumo.

( N.G.: mentira cansa, pois não?)

Sérgio disse...

Achei o seu comentário absolutamente correto. Infelizmente, também ainda não assisti o filme, mas penso muito parecido com você. De tudo o que já li e ouvi a respeito do mesmo, acredito que depois de assisti-lo você não vai precisar mudar nada do que escreveu.

Persegonha disse...

Nariz, o bochicho se dá aqui o Rio porque o filme teve uma coragem inaudita: falar a verdade. Ou seja: usuário colabora pro incremento do tráfico. Usuário coloca sim um trabuco na mão de um moleque de 13 anos. Policiais têm que subir morro e enfrentar gente com fuzil israelense. O povinho das ONGs está enrolado até o pescoço com o tráfico. É por isso. Ver a verdade revelada, assim, nua e crua, pra certas pessoas é demais!!! Não defendo os métodos do Bope. Mas não sei como me comportaria se eu fosse um oficial. Aliás, gostaria de ver como muitos críticos se comportariam... Se bem que a maioria deles iria apenas regatear o preço da marofa...

Destaque para Wagner Moura, um baita ator (não acredite em Diogo Mainardi, hehehe).

ALUIZIO AMORIM disse...

Nariz: não vejo filmes nacionais, nem que tussa. Brasileiro não sabe fazer nada e muito menos cinema...hehehe... Filmes são os norte-americanos, o resto é porcaria. Portanto, não verei o filme, mas em compensação o seu artigo está supimpa e deveria ser publicado em algum jornal, porque a maioria da galera, que deveria lê-lo, continua nas antigas, folheando... Abração e um ótimo e feliz feridão. Aluízio Amorim.
P.S.: repeti o verbo "deveria", preguiça da madrugada...hehehe

(N.G.: eu lhe aconselharia a ir, querido. Mesmo assim, obrigada pelos elogios. Você conhece algum investidor de peso? Talvez devêssemos nos reunir e lançar um daqueles "de folhar" aqui na província. Faríamos o caminho contrário: do virtual para o papel.rsrsr)

Sharp Random disse...

A conduta humana na direção do hedonismo como razão da vida é o resultado da injunção do dogma da liberdade sem responsabilidade.

A ignorância das energias sutis naturais do ser humano e da permuta delas adiam indefinidamente a recuperação do bom senso, da identificação do óbvio em matéria de saúde física e mental.

Tropa de Elite enfia a mão no caldeirão em fervura e dá mais uma mexidinha...

A questão de fundo é existencial e esta ainda vai continuar desfocada um bom tempo em razão das lentes que o establishment permite fabricar.