quarta-feira, 19 de março de 2008

Olhares

Está por toda a imprensa: em 19 de março de 2003 - há cinco anos, portanto -, George W. Bush declarou guerra ao Iraque. Naquele mesmo dia, tropas americanas haviam desembarcado no Kwait. Mas guerra mesmo, no sentido norte-americano da palavra, o mundo só veria dois dias depois, com a operação "Shock and Awe" - era uma tarde de sexta-feira e eu estava por casa quando o som que vinha da TV fez sacudir as vidraças do apartamento.

Desde então, muita água rolou sob esta ponte. O que não mudou foi a opinião de uma grande maioria a respeito desta guerra: há um consenso geral de que ela foi um erro. Algumas vezes, a coisa toda é simplificada como um plano maquiavélico, que tinha como fim único a obtenção de petróleo para Bush e seus amigos - é a herança maldita de Michael Moore. Na verdade, a efeméride cria mesmo um ambiente propício para a manifestação desta e de outras formas de tacanhice - e há gente boa e inteligente que, nestas ocasiões, se deixa levar pelo anti-americanismo.

Por isso, resolvi lembrar a data com a opinião de quem esteve lá: a correspondente de guerra Asne Seierstad. Mais conhecida no Brasil por seu best-seller O livreiro de Cabul, é em 101 Dias em Bagdá que Asne faz um relato pessoal de sua estada no Iraque durante o conflito.


Antipática ao belicismo americano e contrária - como, de resto, boa parte da imprensa internacional - à investida contra o regime de Saddam Hussein, é em sua narrativa do dia 9 de abril, quando os primeiros tanques americanos entraram na capital iraquiana, que Seierstad nos revela uma das milhares de faces de uma mesma guerra. No caso em questão, a face de uma jornalista que viu de perto a morte do regime Hussein. Uma mulher ocidental, que vivera sob medo e pressão as semanas que antecederam à entrada dos americanos em Bagdá:

"Uma coluna de tanques circulava por uma das avenidas. Enormes, ocupavam todas as faixas. Lento, quase piedoso, o primeiro Abrams entrou, rodando na praça do Palácio. Depois, os outros seguiram-no um a um. Rugindo, circularam pela praça.

Era como ver do alto uma ópera aproximar-se do seu 'gran finale'. Éramos o público enfeitiçado e paralisado pelo drama, até que se quebrou o encanto e decidimos entrar em cena. De repente deixamos os nossos assentos, abandonamos as varandas e descemos correndo pelas escadas. Lorenzo a toda velocidade e eu atrás. Na praça do Paraíso, ficamos olhando boquiabertos. Eram uma estranha aparição estes norte-americanos; como figurantes num filme de guerra que desconheciam os planos do diretor para a próxima cena. Todo o seu equipamento fazia-os parecer enormes. Graves e concentrados, avançavam pelo largo, apontando as armas em todas as direções, prontos para atirar, prontos para atacar. Isto era terreno desconhecido e ninguém sabia onde estava o inimigo.

Na praça do Paraíso não estava; isso ficou patente. O primeiro tanque parou quando atravessou a praça ruidosamente e tomou de novo a rua por onde tinha entrado. Os outros tanques fizeram o mesmo. Por fim, controlavam todo o largo.

Os soldados tinham expressões inconfundivelmente norte-americanas, seja lá o que lhes desse esse 'american look'. Eram altos, largos e robustos. Bem alimentados, em suma. Alguns louros, outros morenos, outros negros.

"Acabou-se. A guerra acabou", pensei.


Era como se um nó se soltasse dentro de mim e algo transbordasse. Gritei para um dos tanques:

- Obrigado por vir!

Quis engolir minhas palavras logo que as disse.

Mas tivera tanto medo..."

Um comentário:

Pet name disse...

Nariz Gelado, um bom domingo de Páscoa, obrigada
pelo teu blog.