segunda-feira, 19 de maio de 2008

E tome desconstrução

Quem lê este blog com alguma freqüência sabe que muito raramente eu reproduzo, na íntegra, artigos publicados em outras sites e jornais. É que teimo em respeitar esta coisinha chamada "direito autoral e/ou de publicação". No mínimo porque gostaria que o mesmo fosse feito em relação às singelas bobagens que escrevo aqui.

Mas fazia tempo que não me parecia tão difícil manter esta determinação. Isto porque o artigo do historiador Marco Antonio Villa para a Folha de S. Paulo de hoje é algo que deveria ser colado em todos os murais deste país.

Em um meio acadêmico onde a regra é idolatrar a luta armada, Villa - que já havia recebido destaque aqui no blog em meados de abril - se destaca pela rara coragem em questionar os mitos, muitos deles ainda em construção, que permeiam este episódio da nossa história recente. Mais do que isso: reinvindica uma revisão nos processos de indenizatórios milionários - o "cala-boca financeiro" que privilegia alguns e esquece muitos - e a abertura dos arquivos do regime militar, que parece não interessar ao governo porque - conclusão minha - desconstruiria os mitos.

Tarefa inglória - dado que este esquartejamento pode enfraquecer o efeito do original - selecionei para vocês alguns dos principais trechos.

"A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, seqüestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. O regime militar acabou por outras razões.

Argumentam que não havia outro meio de resistir à ditadura, a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos dos grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados logo depois, quando ainda havia espaço democrático (basta ver a ampla atividade cultural de 1964-1968). Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político e a simpatia pelo foquismo guevarista antecedem o AI-5 (dezembro de 1968), quando, de fato, houve o fechamento do regime. "

"Todos os grupos de luta armada defendiam a ditadura do proletariado. As eventuais menções à democracia estavam ligadas à "fase burguesa da revolução". Uma espécie de caminho penoso, uma concessão momentânea rumo à ditadura de partido único. Conceder-lhes o estatuto histórico de principais responsáveis pela derrocada do regime militar é um absurdo. "

"Os militantes dos grupos de luta armada construíram um discurso eficaz. Quem questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desconsideração dos sofrimentos da prisão".

Paro por aqui para não sucumbir a tentação de postar tudo - e porque este último trecho lembra muito a reação de petistas e esquerdistas em geral, naquele dia em que eu me atrevi a questionar o mito com o qual Dilma Roussef calara a oposição, a menina-de-dezenove-anos-brutalmente-torturada, mostrando que ela já era, à época, uma mulher feita, líder terrorista experiente e capaz. Foi o que bastou para que a turma que veste vermelho baixasse por aqui para dizer, com todas as letras, que desconstruir o mito da menina era justificar a tortura sofrida por ela na prisão - ou mesmo negar que tivesse sido brutalmente torturada. Um manobra discursiva muito comum e rasteira que, a depender de historiadores corajosos como Marco Antonio Villa, pode estar com os dias contados.

Assinantes da Folha podem ler na íntegra clicando aqui. Aos não assinantes, recomendo que se encaminhem à banca mais próxima e comprem o exemplar de hoje. É coisa para se guardar.

5 comentários:

Peregrino disse...

É isso aí, NG. Enfim encontrei alguém capaz de verbalizar, de forma magistral, o que pude observar ao longo de quase trinta anos de vida adulta: o poder da esquerda está em gritar mais alto.

jballarin disse...

Gostaria que alguém me informasse qual cidadão da esquerda é trabalhador. Somente um.

PV disse...

Muita gente lutou contra a ditadura militar dentro da legalidade. Roubar bancos contra a ditadura, sequestrar pessoas contra a ditadura e até matar contra a ditadura é dizer a velha frase petista/esquerdista: o fim justifica os meios, sejam esses meios criminosos ou não.
Tô com o saco cheio desses criminosos que agora posam de defensores da democracia. Democracia essa que eles nem fazem idéia do que vem a ser. A unica coisa que realmente sabem faser é ficar à MARGEM E A ESPREITA.

Jorge Nobre disse...

Esse texto é bom mesmo, Nariz. Tanto que já tem gente xingando o texto e o autor.

Sem contestar nenhum fato, é claro. Porque não há como contestá-los.

Adalberto Braga disse...

Negativo,
Eu tenho uns seus aqui gravados em todos os tipos de mídia inclusive impressos em papel reciclado, (é mais resistente) para que não se percam. São para consumo próprio, no máximo para serem lidos para os meus filhos naqueles momentos em que o meu mais velho pergunta se não vai parar de ter “escândalos de CPI”.