sábado, 18 de agosto de 2012

Eu tive um gato



Nasci em uma família que amava os animais. Com o pai e a mãe, exímia amazona, aprendi que eles mereciam respeito e admiração.  Mas, lá em casa, o animal de estimação por excelência era o cão.

É claro que sempre gostei de cães – sou do tipo que se apega até a rato de laboratório.  Só que eram os gatos que realmente me fascinavam. Talvez porque não os tivéssemos por perto. Ou porque ali, na casa da esquina, onde morava minha melhor amiga, eles marcassem presença em abundante vagabundagem.  Eram de todas as cores e pelagens, vivendo livremente e procriando como hoje já não se admite.  

Adorava vê-los tomando sol tranquilamente sobre os muros ou, endiabrados, tentando invadir o galinheiro da vizinha.  Ariscos, raramente nos permitiam uma aproximação. Por isso, a alegria suprema era quando uma ninhada saía, pela primeira vez, de debaixo da casa para a luz do sol. Aquelas pequenas vidinhas peludas, de olhos brilhantes, que se deixavam pegar e acariciar, eram o meu brinquedo predileto.

Mas foi só aos 27 anos, já casada e dona do meu próprio nariz, que decidi adotar um gato.  Foi numa sexta-feira em que, passando por uma pet-shop, vi um filhote de siamês na vitrine e pensei “eu quero”.

Não fiquei com ele.

No sábado pela manhã, aconselhada por um amigo – “pegue uma fêmea, pois elas são brincalhonas mesmo quando adultas” – fui a Porto Alegre para buscar Madonna.  Tinha 45 dias e era a única fêmea numa ninhada de seis. Um pequeno demônio, já que, segundo a moça do caixa, ela era “a alegria da loja” porque “surrava todos os irmãos”. "Mais minha impossível", concluí ao ouvir o relato enquanto aqueles olhinhos azuis me fitavam, cheios de medo e expectativa.  

Desde então, pela primeira vez na vida, eu tinha um gato só meu. E um blog inteiro não seria suficiente para descrever os últimos vinte anos deste privilégio.  

Brincalhona, sim. Mas companheira silenciosa e firme, ao lado do computador, nas madrugadas que atravessei estudando ou trabalhado. Manhosa, posto que foi gata de apartamento nos primeiros dez anos de vida, dormia enrolada aos meu pés. Caçadora exímia, já que, nos últimos dez, ganhou um amplo jardim com divisa para uma reserva ecológica, tinha o hábito de me presentear com suas vítimas. Corajosa, adaptou-se a quatro casas diferentes, venceu um episódio de felv em 2008 e, do alto dos seus 19 anos, ainda enfrentou uma última mudança.

Mas adoeceu de novo a minha companheira.  Desta vez, porém, os anos pesaram e já não houve a resistência dos outros tempos. Então, hoje pela manhã, ficou claro que era hora de cumprir a promessa tantas vezes repetida: não permitir, por um só minuto, que, depois de uma vida tão plena, ela sofresse por conta do meu medo de perdê-la.  

Sim, eu tive um gato. E como ele me fez feliz.

R.I.P.,  Madonna.