domingo, 28 de julho de 2013

Vadias, bandidas e inúteis

Ontem, no Rio de Janeiro, os participantes da Marcha das Vadias assistiram, bovinamente, enquanto integrantes do movimento introduziam em seus respectivos ânus e vaginas imagens sacras do catolicismo.

Embora a imprensa, por razões que eu desconheço, esteja dando mais destaque para o que aconteceu depois - as imagens foram quebradas após a “performance” – as cenas estão espalhadas pela internet. Clique aqui se quiser vê-las.

Vadias bandidas

Ao contrário do que defende o link acima indicado – que afirma que as cenas “assustaram os próprios manifestantes” – não houve um só incidente que indique tal coisa. Não se registrou qualquer reação contrária entre os manifestantes. As fotos, aliás, evidenciam aprovação dos que rodeavam o crime. Também não há notícias de que organização do evento – que agora diz que a performance não foi planejada por eles – tenha tentado impedir o ato. E quando ninguém faz nada para impedir algo assim, todos são cúmplices.

As cenas já seriam condenáveis somente pelo conteúdo sexual explícito no meio da rua. O que aconteceu ontem já é crime sem levar em conta qualquer questão religiosa.  Se considerarmos que houve vilipendio público de objeto religioso, outro crime. Tentativa de perturbar ou impedir cerimônia ou prática religiosa – outro crime. Notem que são crimes previstos no Código Penal.  E as fotos de pelo menos dois dos criminosos estão disponíveis aqui e aqui. A lei só não será cumprida se as autoridades não quiserem. 

Para além da questão jurídica e policial, fica a vergonha de ser brasileira num hora dessas. Porque nunca, em lugar algum do mundo, se viu tamanha falta de civilidade e selvageria. Isto em meio a um evento religioso internacional.

Vadias inúteis

Confesso que nunca dei a mínima para a tal Marcha das Vadias. Sempre me pareceu aquele tipo de evento festivo e inútil, meio carnavalesco, de gente que fica berrando por causas vazias.

Inútil porque o verdadeiro combate à violência feminina se dá na porta da delegacia, fazendo valer a Lei Maria da Penha, e criando meios de apoio para que as vítimas não retornem aos agressores – o que acontece em inúmeros casos.  Causas vazias porque liberdade para oferecer o buraco do corpo que se quiser, a quem se quiser, minha avó já tinha – e sem precisar ir para o meio de uma praça berrar sobre isso.

Igualdade e liberdade se conquista com trabalho – e com a decisão de viver dentro de um padrão que se possa bancar, sem depender financeiramente de ninguém. E isto é verdade para todos – homens e mulheres. Direito ao aborto se defende pleiteando legislação e votando em representantes que o façam. Respeito se conquista com postura: é só não se deixar desrespeitar -  e levar o caso à Justiça se a situação assim exigir.

Se as vadias ainda fossem para a praça berrar contra uma Rihanna quando ela volta a se envolver romanticamente com quem lhe encheu a cara de porrada, eu entenderia. O péssimo exemplo público ofende muito mais o gênero do que qualquer postura masculina. Outra boa causa seria combater aquela prostituição socialmente aceita nas capas de revistas, com moças jovens e belas, sem qualquer profissão definida, casando a cada seis meses com homens mais velhos e mais  feios, por interesse puramente financeiro. Este é o tipo de coisa retrógrada, que ofende mais o gênero do que qualquer instituição política ou religiosa.

Só que você jamais verá uma integrante da Marcha das Vadias berrando contra as rihannas, marias chuteiras e prostitutas das capas das revistas porque, no fundo, ir para a praça de seios à mostra, com palavrões pintados no corpo, é só um meio de tentar emplacar numa capa de revista – e, quem sabe, arrumar um velho rico que as sustente, ainda que lhes encha de porrada. 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Marina Silva, dissimulação e petismo envergonhado

Não pode haver surpresa com o fato de que Marina Silva apareça, nas últimas pesquisas, como a grande beneficiária das manifestações nacionais que andaram pedindo o fim da política e dos políticos.

Sem cargo legislativo ou executivo desde 2009 – e sem partido até o início deste ano - a fundadora do PT, ex- vereadora, ex-deputada estadual, ex-senadora e ex-ministra do governo Lula vem alimentando, com sucesso, uma imagem de criatura pura, jamais maculada pelos trâmites tradicionais da política nacional.

Mas não é só dos desavisados que ignoram sua longa carreira política dentro de um sistema que hoje ela diz condenar, que o marketing de Marina Silva se beneficia. Ela também encanta porque se apresenta como ícone do petismo envergonhado – a turma que votou em Lula em 2002 e sentiu-se traída em meados de 2005, quando o mensalão veio à tona. Para estes, Marina coloca-se como representante máxima da decepção e revolta com um PT que "se desviou do bom caminho", adotando táticas que condenara até chegar ao poder
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Seria lindo se não fosse uma mentira deslavada – do tipo que só está colando porque ninguém tem coragem de chamar Marina Silva pelo que ela realmente é: uma oportunista, com ares de santa e ambições comuns a qualquer outro político que caminhe sobre a face da terra. “Qualquer outro político” é, na verdade, uma injustiça. Marina pode ser comparada aos piores se considerarmos como ela manipula a opinião pública dizendo combater um sistema no qual tem se banqueteado há pelo menos três décadas.

Hoje Marina se diz chocada com o maior escândalo de corrupção que a república já viu: o mensalão petista. E, embora jamais o diga literalmente, sua postura sempre deixa subentendido nas entrelinhas que o mensalão foi o motivo pelo qual ela teria abandonado o PT.

Nada mais ilusório. Na verdade, depois que as denúncias do mensalão estouraram, Marina se manteve no PT por quatro longos anos. De 2005 a 2009 ela conviveu, ombro a ombro, com os colegas mensaleiros – governando, sem qualquer pudor, com eles e para Lula. Queixava-se, sim, da “generalização” com a qual o senso comum julgava todos os membros do partido pelos atos de uns poucos – discurso que, aliás, mantém até hoje. 

Se Marina saiu do PT em  2009 não foi por estar escandalizada com a falta de ética do partido – fosse isso, teria motivos de sobra para sair em já em 2005.  Marina só saiu do PT porque abandonara o governo Lula, um ano antes, derrotada numa disputa política– daquelas bem típicas da política que ela hoje diz renegar – com o então ministro de assuntos estratégicos de Lula, Roberto Mangabeira Unger.

Afastada do governo, Marina Silva foi viver da política tradicional que ela hoje condena: reassumiu sua vaga no Senado Federal, de onde saiu apenas para candidatar-se à presidência da república pelo Partido Verde.

Tendo conquistado quase 20 milhões de votos no pleito de 2010, ela se manteve no PV até meados de 2011, quando parece ter percebido que ali não haveria espaço para suas ambições pessoais. 

Dissimulada, em 07 de julho de 2011 Marina comunicou sua desfiliação do Partido Verde jurando, por todos os santos, que fazia tal coisa sem qualquer motivação eleitoral. Desde então tem trabalhado dia e noite para construir um partido que lhe permita candidatar-se novamente à presidência.

É por isso que sorrio constrangida sempre que alguém me diz que Marina Silva pode ser um “novo caminho” para a política nacional. Em primeiro lugar porque, como se viu, não há nada de novo em Marina Silva. Desde os tempos de Chico Mendes, tudo nela é dissimulação e vitimismo colocados a serviço do marketing eleitoral. 

Depois, porque é óbvio que Marina só pode convencer a dois tipos de eleitor: os jovenzinhos crédulos e os ex-petistas que se dizem envergonhados. Os primeiros serão ludibriados por sua falta de cultura política. Os segundos se deixarão iludir novamente porque, ao que parece, não resistem à lábia de um falso messias. 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Serra e o velho de Voltaire

"Não pode o homem ter mais que certo número de dentes, cabelos e ideias. Tempo vem em que inevitavelmente perde os dentes, os cabelos e as ideias". (Voltaire)

Na mais próspera e estável democracia da história moderna, quem perde uma eleição presidencial entende o recado: segue na vida partidária, como congressista, mas abre mão do sonho pessoal de residir no número 1600 da Pennsylvania Avenue.

Foi o que fizeram George McGovern, Walter Mondale e Michael Dukakis. Tradição também seguida por Bob Dole, Al Gore, John Kerry e John McCain. Espera-se o mesmo de Mitt Romney.

Para além da intenção genuína de querer ver o partido chegar ao poder – ou nele manter-se –, o sujeito entende o recado das urnas de primeira também - e, talvez, principalmente- para evitar um desgaste pessoal: não há espaço, na democracia americana, para presidenciáveis profissionais. Ross Perot, o milionário excêntrico que concorreu como independente, tornou-se motivo de piada entre os eleitores em 1996, quando insistiu – na primeira, em 1992, até respeitaram sua intenção.

Por aqui, não. Claro que não. Por aqui há uma espécie de caudilhismo eleitoral, com perdedores querendo eternizar-se na cédula para todo o sempre, na esperança de que, mesmo eles sendo os mesmos, o povo um dia mude de ideia. Não dá pra dizer que é uma jabuticaba – a coisa se repete em recantos latino-americanos. Mas aqui é moda desde os primórdios da República.

Ruy Barbosa insistiu em 1910 e 1919 – nunca levou.  O mesmo destino tiveram Eduardo Gomes e Ademar de Barros. Com o fim do regime militar, a lista de insistentes fracassados incluiu Leonel Brizola, Enéas Carneiro, Ciro Gomes e José Serra. Salvo engano, a tática de vencer o eleitor pela insistência só deu certo três vezes: com Prudente de Moraes, que tentou em 1891 e levou em 1894, Afonso Pena, que tentou em 1894 e levou em 1906, e com Lula – o único a tentar por quatro vezes.

Nos Estados Unidos da América espera-se que um político preparado a ponto de candidatar-se presidente, após ter sido rejeitado pelas urnas, use sua imensa capacidade a serviço do país – no partido, no Congresso, em alguma entidade ou instituto. O que não se aceita é que ele se torne um desocupado a perambular pela nação, tentando derrubar seus prováveis sucessores.  Eu diria que é o pragmatismo yankee estimulando a vergonha na cara.

Por aqui, não. Por aqui José Serra tenta forçar seu terceiro fracasso sem que ninguém – imprensa, partido, assessores ou pessoas próximas – consiga lhe convencer do ridículo da situação.  

Como o velho de Voltaire que abre este post, o que vemos agora é um José Serra sem cabelos, sem dentes e sem ideias, a se arrastar pelos corredores do poder, tentando convencer a si e aos tolos de que tem o carisma de um Lula -  e que vai emplacar na terceira vez. O partido que se dane. O país idem. 

terça-feira, 16 de julho de 2013

"Menos marketing, mais franqueza" e outras histórias da Carochinha

Na perspectiva do panorama visto de Brasília, a campanha eleitoral será totalmente diferente das dos últimos anos em que prevaleceu o marketing sobre o diálogo franco e maduro com a sociedade”.
(Dora Kramer, em sua coluna de hoje para o Estadão)

Há uma porção de erros nesta afirmação – que, se entendi direito, não é o que pensa Dora Kramer, e sim o que ela tem ouvido de seus interlocutores no Palácio do Planalto. Só me resta torcer para que os petistas estejam mesmo acreditando nesta bobagem de "menos marketing" - e que a oposição passe longe dela.

Em primeiro lugar a declaração acima evidencia a ilusão, bastante comum, de que o marketing político se opõe ao diálogo franco com a sociedade. Ora, queridos: sem marketing político a maioria da população nem sequer sabe que o diálogo está acontecendo. Sem marketing político, o tal diálogo franco com a sociedade é prazer reservado a poucos, nos debates que varam a madrugada, no Roda Viva e em outros recantos de baixíssima audiência.

Obviamente, nas entrelinhas desta declaração percebe-se, também, aquela gostosa demonização do marketing político – a quem o senso comum tupiniquim tem atribuído todas as mazelas políticas da nação. Já escrevi no passado sobre como o bom marketing - que é o de sucesso e, por isso mesmo, alvo constante de ressentimentos - não mente.  Cliquem aqui para reler.

Mas há mais: na revelação do petista à colunista está a certeza, agora evidenciada pelas ruas, de que as pessoas estão fartas dos políticos tradicionais, que querem algo diferente do que aí está. É esta certeza que, ao que tudo indica, está embalando a nova postura dos que habitam o Palácio do Planalto. 

A rejeição aos políticos tradicionais pode até ser novidade para alguns setores da política e da imprensa. Mas para o marketing político esta tendência mundial é tão velha quanto a primeira eleição de Obama - que tinha como principal característica, fartamente explorada por seus marqueteiros, um "jeito diferente de se comportar";  uma "postura independente" das tradições e círculos políticos consagrados do cenário americano.  

Em praias brasileiras, isto que hoje muitos acham que é novidade desembarcou em 2010. Foi a bordo desta estratégia  - da candidata “sem marketing”, “diferente”, que “não tem jeito de político convencional” - que Marina Silva alcançou quase 20 milhões de votos.  Por óbvio que, agora, quando as ruas escancararam aquilo que antes só os marqueteiros conseguiam enxergar, Marina vai seguir firme no mesmo discurso.

Raimundo Colombo é outro exemplo.  O catarinense – que em sua biografia diz não acreditar em marketing, mas contratou para si um dos melhores marqueteiros do país – tinha como principal característica a seu favor o fato de “ser diferente” e “não parecer um político como os outros”. Era isto que aparecia nas pesquisas qualitativas – e que alicerçou toda a sua vitoriosa jornada rumo ao governo do estado.

Daí se conclui aquele óbvio que a oposição deve levar em conta se quiser ter alguma chance: essa história de “menos marketing e mais qualquer-coisa-idealista-ou-romântica-que-você- quiser-inserir-neste-trecho nada mais é do que o bom e velho marketing político. Na veia. E da melhor qualidade.   

terça-feira, 9 de julho de 2013

Snowden vai salvar Dilma - e a oposição vai ficar vendo a banda passar.

Antes de tudo: não estou aqui referendando o monitoramento que os EUA estariam operando em outros países.  Penso, sim, que é de uma extrema ingenuidade nossas autoridades tratarem a coisa como se fosse a descoberta da roda.

Quer dizer que altíssimas patentes do Governo Federal e da Defesa acreditavam, até o último final de semana, que o país que inventou a internet e a telefonia celular, e que vive sob ameaça terrorista, não estaria bisbilhotando as comunicações através do mundo.?

Ai, me poupem, por favor. Seria o caso de recomendar menos Pollyanna e mais seriados de televisão – que são ficção, ok, mas carregam consigo alguma verossimilhança. Só que certamente não é este o caso.

O governo e os serviços de inteligência nacionais devem saber – ou no mínimo desconfiar - que isto ocorre há anos.  O que aconteceu, agora, é que as revelações de Edward Snowden a respeito do monitoramento das comunicações no Brasil vieram a calhar. Eu imagino até a Dilma fazendo uma dança comemorativa - no pior estilo Ângela Guadagnin, lembram? – ao saber que os documentos de Snowden incluíam a nação.

Não é novidade que Hugo Chavez fez escola com este pessoal que hoje nos governa.  Logo, o que é melhor para um governo, cujo povo anda nas ruas a reclamar de tudo e por tudo, do que encontrar um inimigo externo? Muda-se a agenda do dia para noite. Na pior das hipóteses, os gatos pingados que ainda persistem nas ruas começam  a produzir cartazes contra os yankees. Na melhor, vão pra casa porque a nação foi ameaçada é a hora é de união.

A operação de venezuelização começou já no domingo com a matéria do Fantástico.  A imprensa, afobada,  embarcou na onda com a manchete “o Brasil é o país da América Latina mais monitorado pelos EUA" – uma estupidez quando consideramos que se os EUA estão monitorando a América Latina, e o Brasil é o maior país da América Latina, só pode ter o maior volume de comunicações e, portanto, ser o mais monitorado.

Mas o fato é que a tolice sensacionalista colou e, já na segunda-feira, os ânimos entre membros do governo e do parlamento estavam a tal ponto inflamados que não houve espaço para uma voz mais sensata, que tentasse dizer “respira aí minha gente, antes de sair a dizer - e fazer -  bobagens”.

De ontem para cá o clima foi de histeria. Ideli Salvatti – cujas fofocas palacianas davam conta de que estaria na frigideira de Dilma – renasceu para avisar que a soberania nacional está em xeque e – malandragem da primeira hora – querer apressar a votação do marco civil da internet na Câmara.  Os plenários do Senado e da Câmara, aliás, viram discursos inflamados,  como não se via há semanas – pelo menos, desde meados de junho, quando todos passaram a adotar um tom mais humilde de taciturno.

Hoje, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, foram aprovados requerimentos para se ouvir legiões: do colunista do The Guardian aos representantes do Google e do Facebook, estão todos convidados. A mesma comissão também aprovou um voto, a ser encaminhado à Presidência da República, em que manifesta apoio a um eventual pedido de asilo ao governo brasileiro por Edward Snowden.

Vinda do governo, a patacoada sem precedentes não espanta. Como eu disse acima, as revelações de Edward Snowden acabaram oferecendo uma bela oportunidade de mudança de ares  na pauta nacional. O que assusta é que parlamentares da oposição estejam caindo neste jogo.

Entende-se que a oposição não possa  ir a público dizer “calma gente, não é bem assim”, sob pena de ser acusada, pelos governistas, de “traição à pátria”. Mas que ao menos guardasse um silêncio cauteloso antes de cair na arapuca que o destino armou e Dilma agarrou com unhas e dentes. 

domingo, 7 de julho de 2013

Quando tucanos sabotam tucanos

O primeiro obstáculo que o PSDB precisa enfrentar antes de sonhar com um retorno à presidência da república é o próprio PSDB.

A obviedade da afirmação acima não impede que, de quatro em quatro anos, a verdade nela contida reapareça para operar desastres.  É uma doença crônica: o PSDB não consegue superar suas disputas internas, em especial as pré-eleitorais, para garantir uma vitória nas urnas.

Comecemos por aquilo que eu chamo de as três pragas da militância tucana: aecistas, serristas e alckmistas. Muito ativas na internet, estas miríades de patetas que voejam em torno das principais figuras do partido seguem se digladiando mesmo depois que já foi decidido quem será o candidato.

Embora eu desconfie – pela frouxidão de propósito que sua atitude online revela - que jamais partam para um corpo-a-corpo durante as campanhas, estas “facções” provocam um senhor estrago. Ao invés de promover a união em torno do escolhido, perdem tempo e energia digladiando-se e jogando pedras no candidato da vez. As áreas de comentários dos blogs dedicados à política e, mais recentemente, as redes sociais estão repletas de exemplos desta idiotia eleitoral.

Não se vê tal coisa no petismo. Uma vez que Lula – sim, ele sozinho - decidiu que Dilma seria sua sucessora, a militância não só acatou a decisão como passou a trabalhar furiosamente por ela. Para além das fronteiras, passadas as prévias, não se viu os partidários de Hillary Clinton tentando derrubar Obama. E eu fico realmente incomodada que seja preciso escrever tal coisa porque é óbvio que só assim se ganha uma eleição. Se os filiados não conseguem unir forças em torno de um determinado nome, o que esperar do resto do eleitorado?

Sei bem que não há prévias no PSDB. Os candidatos ali são definidos ora numa mesa do Fasano, ora por teimosia, ora pelo pragmatismo do “como não vamos ganhar mesmo, enviemos fulano para o sacrifício”.  Eu até entendo que esta postura revolte a militância. Mas a pergunta é: vocês querem mudar o partido ou ganhar a eleição?

Para o próximo pleito, o candidato será Aécio Neves.  Acertadamente, desta vez o PSDB decidiu com bastante antecedência - é preciso tempo para trabalhar nacionalmente o nome de um candidato que nunca disputou uma eleição presidencial.  

Quanto mais cedo a militância entender que está decidido, e que não haverá prévias ou recuos na decisão,  mais aumentam as chances de Aécio – que são as chances do PSDB, pelo amor da santinha.  Mas já noto que estão preferindo, como em 2006 e 2010, perder um tempo precioso, nas redes e fora delas, para tentar reverter a decisão.  Se insistirem nisso, acontecerá o de sempre: a candidatura morre antes mesmo de começar a campanha oficial.


O (mau) exemplo que vem de cima

Sim, eu acho que é uma generosa evidência de - perdão -  burrice que a militância tucana não se dê conta, por si mesma, do quanto a postura acima relatada inviabiliza as chances do PSDB voltar ao Governo Federal. Mas também é verdade que os líderes do partido não trabalham para promover a união.  Ao contrário: alimentam, constantemente, a disputa.

Vou me abster de falar das campanhas anteriores – quando tivemos Fernando Henrique sabotando a campanha de Serra, Aécio e Serra sabotando a campanha de Alckmin, Alckmin e Aécio sabotando a campanha de Serra.  Os arquivos do blog, disponíveis aí, na coluna da margem direita, estão repletos de artigos sobre isso. São dez anos de arquivos. Um registro histórico lamentável de muitos tapetes puxados e farta distribuição de cascas de banana.  Mas a pergunta para a militância, mais uma vez, é: vocês querem fazer justiça interna partidária ou ganhar a eleição?

De minha parte, prefiro me concentrar no quadro atual. E ele é cristalino – lamentavelmente cristalino.

Em meados de maio, quando tudo indicava que 2014 seria uma eleição pró-forma, com Dilma sendo simplesmente reconduzida ao poder, o PSDB entregou o bastão de mando para Aécio Neves. Serra tentou se conter e Fernando Henrique apareceu apenas para dizer que era a vez do mineiro.

Na convenção do dia 18 de maio, Aécio foi escolhido presidente – uma condição fundamental para nacionalizar seu nome – e apontado como candidato único do partido para o pleito de 2014. Todas as lideranças, inclusive um titubeante José Serra, foram ao microfone para declarar apoio a Aécio. Decisão mais do que acertada, mas tomada – diante do que agora se vê – por razões tortas. Estavam entregando a Aécio, de bom grado, uma eleição praticamente perdida.

Até meados de junho, tudo correu a contento: os programas e propagandas de televisão do PSDB privilegiaram Aécio. Também foram entregues a ele todos os espaços na imprensa. Na qualidade de líder máximo do partido e candidato à presidência, Aécio Neves tornou-se o porta-voz da legenda.

Então vieram as gigantescas manifestações, o #vemprarua, e, na sequencia, pesquisas mostrando um sério, ainda que momentâneo, abalo na popularidade de Dilma Rousseff.  Foi o que bastou para que as lideranças tucanas começassem a dar mostras de que a unanimidade em torno de Aécio era apenas a unanimidade em torno do nome que “vai perder a eleição para Dilma”. Na melhor das hipóteses, estavam apostando que Aécio apenas pavimentaria o caminho para 2018.


Sempre podemos contar com a falta de timing de Fernando Henrique

Fernando Henrique certamente não pretende voltar à presidência da república. E defende, de peito aberto, a candidatura de Aécio. Mas, vaidoso como ele só, não resistiu à tentação de aproveitar o péssimo momento do PT para empreender uma justiçazinha pessoal. Depois de uma década sendo escorraçado pela hegemonia petista no cenário político, ficou lisonjeado  de voltar à luzes da ribalta para comentar o que interpretou como um sinal das ruas de que seus mais cruéis adversários estavam perdendo força.

A onipresença de Fernando Henrique neste momento é prejudicial não porque ele dispute a candidatura com Aécio, mas porque toma do mineiro um espaço precioso na imprensa.  Um líder menos vaidoso e mais consciente de seu verdadeiro papel neste momento negaria entrevistas tentando forçar convites para o atual presidente do partido – mesmo arriscando perdê-las.

No mínimo porque, a despeito da predileção da imprensa por ele, o recall de Fernando Henrique não é bom nas classes menos privilegiadas – aquelas que enchem urnas.  Também alguns de seus posicionamentos pessoais – como o apoio à liberação da maconha, por exemplo – podem afastar o eleitorado mais conservador, do qual o PSDB não pode prescindir se quiser derrotar o PT.  Finalmente, que uma parte do país esteja gritando contra o PT nas ruas não significa que passou, enfim, a reconhecer o valor de Fernando Henrique. De novo: um líder consciente de seu verdadeiro papel neste momento evitaria cair em tal armadilha.

É, eu sei. Fernando Henrique é um intelectual respeitado, com uma atuação presidencial exemplar, que só enriquece e orgulha o partido, etc e tal. Mas a pergunta é: vocês querem fazer jus a Fernando Henrique ou ganhar a eleição?


José Serra e seu sonho pessoal : uma terceira derrota no horizonte

Sumido desde que perdeu a prefeitura de São Paulo para Fernando Haddad, José Serra ensaiou alguma resistência no período pré-convenção. Em abril ele reapareceu como articulista do Estadão, ao mesmo tempo em que a imprensa dava conta de uma possível mudança para o PPS – o velho estilo Serra de ameaçar o partido com uma retirada para tentar barrar o nome de Aécio. Mas como logo Roberto Freire apareceu para esclarecer que o convite não incluía uma candidatura à presidência, o assunto morreu.

Em maio, Serra foi à convenção e parecia conformado com a realidade posta. Mas bastou que, no início de junho, pesquisas realizadas pela CNI e CNT apontassem a possibilidade de um segundo turno em 2014, para que  Serra mandasse um recado: ele ainda estava no jogo – o mural da vez foi a coluna de Dora Kramer no Estadão.

Quando, na segunda metade de junho, a onda das manifestações tomou força, José Serra  arranjou  duas páginas na Veja para falar de Albert Otto Hirschman e (podem rir) de “resultados que seriam considerados impossíveis por um raciocínio baseado apenas na probabilidade”.  José Serra articulista de Veja é algo que, salvo algum lapso de memória, só se viu em fevereiro de 2010, quando ele tentava se consolidar como candidato para o pleito presidencial daquele ano.  

Uma parte deste artigo já estava pronta ontem, enquanto a matéria da Folha de S. Paulo deste domingo ainda estava no prelo. Agora se sabe que Roberto Freire está revendo a possibilidade de apoiar Eduardo Campos e acenando para José Serra com uma candidatura presidencial via MD - uma nova legenda a ser formada a partir da fusão entre PPS e PMN. Serra ainda está pressionando o PSDB para que volte atrás. Se concretizar a ameaça, o máximo que ele vai conseguir é levar Marina Silva a disputar o segundo turno com Dilma.  


Todo mundo tem, é claro, o direito de se candidatar à presidência da república.  Serra tem todo o direito de achar que, como Lula, “vencerá na terceira tentativa” – ainda que a recente derrota para Haddad em São Paulo, tradicional reduto tucano,  lhe esfregue na cara que não.  Mas a militância do PSDB não tem o direito de cair nessa outra vez.  Porque a pergunta é: vocês querem ver Serra candidato ou querem ganhar a eleição?